Há quem diga que baixou o espectro de Arno Augustin na Petrobras. Há quem afirme que é sua influência direta. O fato é que
a medida contábil adotada pela estatal para proteger o lucro dos acionistas do impacto da desvalorização cambial é alma gêmea das
trucagens que o Tesouro Nacional vem fazendo para o cumprimento da meta de superávit primário.
Ela tem pinta de esquisitice, mas é prevista nas normas contábeis
da empresa e tecnicamente avalizada por contadores de
estirpe. Em termos de estranheza, um paralelo próximo seria a teoria do domínio do fato, usada durante o julgamento do mensalão. O argumento era válido, mas, até então, estava guardado no
fundo do armário. Ressalte- se ainda que o expediente deixa tranquilos os acionistas da Petrobras, notadamente a União, quem mais ganha com a engenhoca contábil.
A contabilidade criativa que a Petrobras incorporou ao seu balanço praticamente sanciona as expectativas de uma apreciação mais
agressiva do dólar. Ou seja: a companhia é uma insider information a céu aberto. A medida também abre uma precedência para que demais empresas com perfil tradable, e a Vale é o melhor exemplo, venham a adotar o mesmo expediente.
É curioso o arbítrio do prazo para a contabilização futura do lastro em exportações que deverá garantir a eventual perda cambial presente. A Petrobras fechou questão em sete anos, possivelmente
inspirada no poema de Camões, que assim dizia:
Sete anos de pastor Jacob servia / Labão, pai de Raquel, serrana bela / Mas não servia ao pai, servia a ela / E a ela só por prémio pretendia. Poderiam ser 14 anos se outro poeta fosse.
A adoção da categoria dos recebíveis como compensação para o diferimento de impactos “acidentais” sobre o lucro surge como uma espécie de samba lelê da contabilidade empresarial. Empurrar o efeito da desvalorização para a frente é um artifício que camufla a
realidade. Bem, vá lá que o câmbio não esteja enquadrado
no conceito clássico de “acidentalidade”.
Em épocas passadas, menos criativas, é bem verdade, a estatal
seguiria a bula, ou seja, faria operações de hedge, mais caras, porém cristalinas a olhos nus. A prática adotada pela
Petrobras lembra um pouco os expurgos adotados no cálculo da inflação devido às acidentalidades arbitradas conforme as circunstâncias. Por exemplo: um choque climático.
Poderia muito bem ser alcunhada de “a contabilidade do chuchu” em memória à subtração da alta do preço do hortigranjeiro do
cálculo do índice inflacionário nos idos dos anos 70. Mas imaginem se a medida fosse ao contrário.
E para efeito da realização de investimentos, a Petrobras retivesse
toda a transferência de lucro ao acionista, dando como garantia de pagamento as vendas externas do porvir. A hipótese não cola porque a caraminhola tem mão única.
Vale ficar atento ao fenômeno da multiplicação da contabilidade
criativa, que, inspirada nas práticas do Tesouro, parece ter se tornado uma coqueluche nacional.
(Relatório Reservado, 15/07/13)